quão difícil pode ser chegar à casa portuguesa?
A casa portuguesa é um mito na Lisboa feita Califórnia. Uma crónica de Fernanda Drummond sobre a busca de um lar e as memórias que se levam em cada mudança.
Este é o décimo primeiro capítulo de uma coleção de peças criadas, a propósito do 200º aniversário da independência do Brasil, por pessoas brasileiras que vivem em Portugal. Fernanda Drummond foi escolhida por Ciço Silveira, cronista-curador que convidámos para escrever e nomear outros autores, numa lógica de descentralização dos discursos e da ocupação dos lugares de fala.
Ulisses levou 10 anos em digressão até poder voltar ao seu aconchego. Amália nos ensinou tudo que devia haver sobre a mesa para que a ideia de lar se estabelecesse. Na cidade batizada de Ulisseia, segundo a lenda, pode ser muito difícil achar um canto nosso.
Vindos de um país [outrora?] colonizado pela terrinha, a cidade expele. Não há espaço que chegue para todos nós. Eu também levei 10 anos, sem ter Penélope que me esperasse sobre um tear.
Há pouca gente que percebe o fascínio e horror – interiorizar pela Europa ou mirar o Atlântico. Se é tão difícil, por que insisto?
Faz um ano.
Quantas vezes não quis que esse ano se completasse e se tornasse outros, muitos mais. Foi – está a ser – terrivelmente difícil achar, construir, arquitetar, fixar a casa portuguesa que me sirva.
Faz um ano.
E me sentia diferente: potente, elétrica; tinha finalmente conseguido. Agora tudo periga. Tão parado que nem sequer agoniza.
Tem sido difícil. Encontrar a casa portuguesa. Conseguir pagá-la. Na 3ª cidade mais cara do mundo para se habitar. Home? Where is it?
É um sentimento material, o de não conseguir fixar. Volto para a minha terra. E quando a deixo?
Já ouvi, em uma aula, que depois da imigração o próximo passo é livrar-se do lastro da migração. Mas esta cidade me marca com o ferrete de estrangeira.
Em Lisboa,
mais estrangeira que um gato persa.
Mas todo mundo é de outro lugar, ninguém liga (contanto que você tenha dinheiro e não se preocupe em como morar na cidade – a 3ª mais cara – estatísticas apontam)
Como arrendar a casa portuguesa?
Pão e vinho e mesa, duas rendas, uma caução, de praia, de dormir, de...
repente Califórnia.
A cidade ensina, a saber:
- a cair sobre os vários solos.
- a perder o chão, os países
- a não saber o que guardar.
Mas também você não pode guardar tudo, né, brasileira? Pois eu quero, sim, cada alfinete, percebes, cada bilhete de espetáculo, não pelo acúmulo, tás a ver, só para ver a memória se apagando, apagando, já foi.
Tá fazendo um ano e meio, amor
Que o nosso lar, desmoronou
Terramotos e isso, mesmo que a gente espere o próximo, não está preparado, não está nunca preparado, então a gente levanta o assoalho e guarda, guarda, olha.
Onde estará a casa portuguesa?
Nem me certifico que isto é mesmo Portugal, este país é uma várzea, é uma palhaçada, mas minha intenção é ser mais doida que a loucura que está solta por aí.