3 gráficos para conhecer melhor os Jogos Olímpicos e as participações portuguesas
Com edições regulares há mais de um século, as olimpíadas são um retrato das histórias nacional e mundial. Da política internacional à igualdade de género, ilustramos como os jogos olímpicos servem de testemunho sobre a evolução da sociedade contemporânea.
Todos os gráficos são interativos e relativos a jogos olímpicos de verão. Notas metodológicas no final do artigo.
O desporto é terreno fértil de estatísticas. Ser a pessoa mais rápida ou a mais forte do mundo vai além dos títulos - cada recorde entra para história e todos queremos ser lembrados. Para lá dos palmarés, olhar para a história do maior evento desportivo do mundo é também ter uma visão das mudanças de conjunturas políticas, sociais e culturais - de edições ou participações canceladas devido a guerras, à luta pela igualdade de género.
Naturalmente, as modalidades que integram a competição refletem a popularidade e a credibilidade que cada uma delas consegue alcançar, ultrapassando as fronteiras dos países. Em 1896, na primeira edição das olimpíadas modernas, eram apenas nove os desportos incluídos na competição. Em 2021, assistimos ao maior número de sempre, cinquenta.
A grande novidade nestes jogos de Tóquio foi a introdução de três desportos radicais (surf, skateboarding e escalada desportiva) no menu olímpico, validando décadas de prática desportiva no limbo da cultura pop. Os desportos de combate alargaram, igualmente, a sua influência com a introdução do Karaté nas modalidades olímpicas, que trouxe consigo oito novas provas. Não esqueçamos, ainda, o regresso do beisebol/softebol, que tinha sido retirado nas duas edições anteriores.
Mais de um século de história também implicou dizer adeus a algumas modalidades. No entanto, os desportos abandonados são raros e desde 1948 que todos os que entraram acabaram por ficar (mesmo que saiam temporariamente, caso do beisebol). Ainda assim, pelo caminho ficaram desportos como lacrosse ou pólo, entre outros. Já o volteio artístico (hipismo) teve direito a provas nos jogos de Antuérpia, em 1920, mas foi essa a sua única aparição olímpica. Bastante atípica, a edição belga também ficou marcada pela introdução de demasiadas categorias nas disciplinas de vela e de arco - tantas que em algumas delas todos os participantes receberam medalhas, mas o desaire não se repetiria.
A preciosa placa de metal ao peito é a consagração máxima da história do desporto, mas comparar medalhas por país é um exercício complexo e redutor. Além das óbvias discrepâncias nas condições materiais para a preparação daquela que é a maior competição desportiva do mundo, também as diferenças de tradição e cultura desportivas, bem como as mudanças políticas, têm o seu peso no resumo dos grandes vencedores. À frente de tudo e de todos estão os EUA, com 2523 medalhas. A URSS está no segundo lugar: obteve 1010 medalhas, mas participou em apenas um terço das olimpíadas comparativamente aos americanos. Além da desagregação do bloco soviético, também os castigos por dopagem (que obrigam à participação enquanto Comité Olímpico Russo) têm um efeito considerável nos resultados oficiais da Rússia. Quem procura no desporto uma conclusão sobre quais os melhores sistemas político-económicos, usando a contagem de medalhas como unidade de medida, não terá muita sorte. Um entre tantos exemplos possíveis, a Alemanha unificada tem 615 medalhas, mas entre a RDA (409) e a RFA (204) é o comunismo que lidera o marcador. Depois dos EUA e da URSS, está o Reino Unido, seguidos da França e da Alemanha; na lista dos dez mais medalhados em olímpicos estão países como China, Hungria, Austrália e Suécia.
O peso das medalhas tem pouco que ver com o metal. A pressão vem sobretudo de fora, e casos como Simone Biles, que se retirou das provas gerais de ginástica artística por questões de saúde mental, são mais um lembrete que a exigência do desporto de alta competição não é só física.
Em 24 participações, Portugal conseguiu 24 medalhas – 4 de ouro, 8 de prata e 12 de bronze. Os quatro campeões olímpicos portugueses são: Carlos Lopes (maratona, Los Angeles, 1984), Rosa Mota (maratona, Seul, 1988), Fernanda Ribeiro (10000 metros, Atlanta, 1996) e Nelson Évora (triplo salto, Pequim, 2008). Os três primeiros fazem ainda parte do igualmente restrito lote de atletas portugueses que conseguiram duas medalhas olímpicas. Luís Mena e Silva foi o único outro atleta português a conseguir o feito, conseguindo duas medalhas de bronze em provas de hipismo por equipas: obstáculos (Berlim, 1936) e ensino (Londres, 1948).
Medalhas à parte, as prestações da equipa portuguesa têm sido relativamente consistentes nos últimos 25 anos. A história do desporto olímpico português inclui 84 diplomas. Isto significa que por 84 vezes (até à edição de 2016, no Rio de Janeiro) os atletas nacionais ficaram nos oito melhores do mundo – uma marca notável. No ano em que alcançámos o maior número de pontos, 2004 em Atenas, não houve medalhas de ouro. Ainda há muito por fazer, sobretudo no caminho para aumentar a prática desportiva em Portugal.
Só a partir dos anos 80 é que a comitiva portuguesa torna a sua participação realmente regular, sobretudo no que respeita ao número de atletas. Até aí, apesar de o desporto estar reservado à elite sócio-económica, o destino de cada edição era condição determinante para o tamanho da equipa nacional. As quebras de participação ilustradas no gráfico abaixo não são aleatórias. Tanto em 1932 como em 1956, os jogos olímpicos aconteceram do outro lado do mundo, em Los Angeles e Melbourne, respetivamente. Já em 1980, a participação diminuta nos jogos de Moscovo esteve também relacionada com o boicote iniciado pelos EUA, num protesto contra a invasão do Afeganistão pelos soviéticos.
A primeira vez que mulheres competiram em olímpicos envergando as cores nacionais foi em 1952, em Helsínquia. Apesar das prestações modestas, Dália Cunha, Maria Laura da Silva Amorim e Natália Cunha e Silva ficaram para a história como pioneiras. As ginastas alcançaram o 109º, 124º e 133º lugares, respetivamente, entre 134 participantes. Em 1998, Mafalda Queiroz Pereira repetia a história, tornando-se a primeira mulher a defender a bandeira nacional em Jogos Olímpicos de Inverno, conseguindo uma 21ª posição em 24 participantes.
A paridade continua por alcançar, mas estes números escondem algumas particularidades, nomeadamente o peso de modalidades coletivas no total de atletas enviados. Sem a extraordinária qualificação da seleção masculina de andebol, a vantagem seria bem mais curta. Em 2016, a seleção masculina de futebol (sub-23) também ajudou a desequilibrar as contas. A edição de Londres, em 2012, foi a mais equilibrada no que respeita à distribuição de atletas do sexo masculino e feminino, com as mulheres a totalizarem 42,1% da comitiva portuguesa. Em Tóquio, a participação feminina global atinge o máximo histórico: as mulheres são 48,8% dos atletas em competição.
A falsa neutralidade de um terreno imparcial
As razões para a discrepância no número de atletas do sexo feminino na competição são múltiplas, mas falta de vontade de competir nunca foi uma delas. Tanto dentro como fora de Portugal, acabam por ser um reflexo das mudanças sociais e culturais. Logo na primeira edição, Stamati Revithi protestou contra a proibição de participantes femininas nas olimpíadas, completando o percurso da maratona no dia seguinte à prova oficial em cerca de 5 horas e meia. A prova da grega não foi reconhecida oficialmente, mas ficou para a história da luta pela igualdade entre homens e mulheres no desporto. Na edição seguinte, em Paris (1900), um pequeno grupo de mulheres foi autorizado a competir. As 22 pioneiras perfaziam 2,2% do total de atletas e houve eventos femininos, mas apenas no ténis e no golfe. A subalternização da mulher na sociedade da época está bem presente até na congratulação das atletas. A americana Margaret Abbot, a primeira campeã olímpica em golfe, recebeu uma tigela de porcelana dourada em vez de uma medalha. Seria Hélène de Pourtalès a primeira mulher a receber uma medalha olímpica. A suíça fazia parte da equipa vencedora na vela (mista).
Pierre Coubertin, o fundador das olimpíadas modernas, defendia que ter atletas mulheres em competição seria prejudicial para os homens. Não obstante a progressiva integração de atletas do sexo feminino nos jogos olímpicos, Coubertin foi sempre contra, mas os tempos estavam a mudar e já não havia muito que pudesse fazer senão resignar-se. A mudança chegou a conta-gotas, contudo. No atletismo, por exemplo, a introdução de provas femininas foi feita de forma faseada. A maratona, que Revithi provou ser capaz de correr em 1896, só passou a poder ser realizada por mulheres em 1984. Rosa Mota subiu ao pódio nesse ano, alcançando a medalha de bronze. Já a prova de 3000 metros obstáculos, só teve direito a evento feminino nos jogos de Pequim, em 2008.
Desde 1991, qualquer desporto que passe a integrar os jogos olímpicos tem obrigatoriamente eventos femininos. Assim, atualmente a maior parte das disciplinas tem provas femininas e masculinas, ainda que a mesma modalidade possa apresentar algumas diferenças – por exemplo, na ginástica artística, os aparelhos em que homens e mulheres competem são distintos; também se jogam variações do mesmo desporto, como nos casos de beisebol (homens) e softebol (mulheres). A luta greco-romana mantém-se sob domínio totalmente masculino, mas a natação artística (anteriormente conhecida como natação sincronizada) e ginástica rítmica são modalidades olímpicas exclusivamente femininas. Existem, ainda, modalidades com eventos mistos, como o ténis ou o hipismo.
Apesar dos avanços, a desigualdade de género mantém-se um tópico disputado, seja pelas imposições de vestuário que potencia a sexualização das mulheres, pelo não-reconhecimento do direito da amamentação ou pela inclusão de atletas transgénero, especificamente de mulheres trans. Baseada na assunção de que terão uma vantagem biológica sobre as atletas cisgénero, a resistência à inclusão de mulheres trans no desporto feminino tem sido forte e o terreno tem garantido disputas políticas e científicas.
A presente edição de Tóquio é a primeira vez em que atletas abertamente trans disputam a competição, apesar de ser permitido desde 2004. A futebolista canadiana Quinn integrou a equipa que levou o bronze para casa nos jogos do Rio de Janeiro, em 2016, mas só se assumiu como transgénero e não-binária no ano passado. O caso mais mediático, contudo, é o da neozelandesa Laurel Hubbard, que compete em Tóquio na prova de halterofilismo na categoria 87kg. Os regulamentos determinam que mulheres trans podem integrar a competição, mas apenas quatro anos após a transição e garantindo que não excedem os limites de testosterona considerados “normais” para mulheres cis. Atualmente com 43 anos, Hubbard fez a sua transição aos 35 e os seus níveis de testosterona não excederam o imposto pelo Comité Olímpico Internacional, mas a legitimidade de a atleta poder competir no evento feminino foi amplamente questionada nas redes sociais. A suposta vantagem biológica ainda está por provar, tanto cientificamente como nos próprios resultados desportivos. Desde 2004, qualificaram-se para olimpíadas mais de 54 mil atletas; Quinn e Hubbard são as primeiras abertamente trans.
A questão da limitação de testosterona é complexa. A hormona pode ser usada como substância de dopagem, sendo difícil de distinguir se é produzida naturalmente ou não. Mas os limites impostos em 2019 pela Associação Internacional de Federações de Atletismo para distâncias entre os 400 e os 1500 metros já afastaram várias mulheres cis de competirem nas suas especialidades - todas elas são atletas africanas: a sul-africana Caster Semenya (bicampeã olímpica dos 800 metros), Francine Niyonsaba, do Burundi, e a quenianana Margaret Wambuias (que partilharam o pódio com Semenya no Rio, em 2016), bem como as namibianas Christine Mboma e Beatrice Masilingi (que este ano conseguiram quatro dos cinco melhores tempos mundiais nos 400 metros). O padrão deixa em aberto outras questões, nomeadamente se a invasão de privacidade destas mulheres (sujeitas a exames e procedimentos que validem a sua condição feminina) não será antes fruto do viés com que a própria ciência tem estudado o corpo humano.
Mais de um século depois de serem proibidas de participarem nos jogos olímpicos, as mulheres continuam a ser questionadas, até na sua biologia, para justificarem os seus feitos, estando sujeitas a múltiplas camadas de discriminação. Em abril deste ano, Semenya questionava: “Jogadores de basquetebol como LeBron James são altos. Se todos os jogadores altos forem proibidos de jogar, o basquetebol será o mesmo? Usain tem fibras musculares incríveis. Eles vão impedi-lo, também?”
Notas Metodológicas
Os gráficos incluídos neste artigo referem-se exclusivamente a edições de jogos olímpicos de verão, visto que as participações portuguesas em edições de inverno são residuais. O ano de 2020 concerne aos Jogos Olímpicos de Tóquio, dado que mantiveram a nomenclatura, não obstante o adiamento para 2021 devido à pandemia de Covid-19.
Na contagem de provas/eventos, eis a discriminação de modalidades por tipo:
- Aquático - Mergulho (saltos ornamentais), 10km em águas livres, natação, natação sincronizada, pólo aquático
- Ciclismo – BMX (freestyle e corrida), bicicleta de montanha, ciclismo de estrada, ciclismo de pista
- Coletivos - Basquetebol 3x3, basquetebol, voleibol de praia, voleibol, beisebol, softebol, hóquei de campo, futebol, andebol, râguebi de sete
- Combate - Luta livre, luta greco-romana, boxe, esgrima, judo, karate, taekwondo
- Disparos – Arco, tiro
- Embarcações - Canoagem (velocidade e slalom), remo, vela
- Ginástica – Artística, rítmica, trampolim
- Hipismo – Salto, ensino, CCE
- Multimodalidade – Triatlo, pentatlo moderno
- Raquetas – Badminton, ténis, ténis de mesa
- Outros – Halterofilismo, golfe
O número total de medalhas por país referido inclui apenas as edições concluídas. Corresponde, portanto, ao total entre de 1896 a 2016, inclusive.