Enterro da Gata: em 20 anos, apenas 5% dos cabeças-de-cartaz são mulheres

Depois de dois anos de pausa, o Enterro da Gata voltou para marcar o fim do ano letivo 2021/2022 na Universidade do Minho. O entusiasmo e a euforia foram notórios, mas não suficientes para afastar as críticas à associação académica. O evento contou com treze cabeças-de-cartaz, mas nenhum do sexo feminino. Que peso têm as mulheres na elaboração do cartaz? E como tem evoluído?

Maria Carvalho@mariaj_carvalho@mariaj_carvalho,Nuno Diogo Pereira@onunopereira@nunodiogopereira|

Em dezanove edições, 220 artistas nacionais e internacionais encabeçaram os cartazes do Enterro da Gata. Apenas doze deles são mulheres. Orçamento e disponibilidade das artistas são apontadas como as principais razões para esta discrepância. Alexandre Gencer, da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUMinho), fala ainda em “ausência de mulheres” nos estilos musicais mais apreciados pelos estudantes. 

“A construção do cartaz do Enterro da Gata começa logo após a eleição da direção da associação académica”, diz o presidente-adjunto externo da AAUMinho. É constituída uma comissão que tem como missão preparar “as linhas gerais do evento” e construir o cartaz, decidindo quais os artistas que encabeçam o evento. Este ano, o alinhamento contou com treze cabeças-de-cartaz - nenhum é do sexo feminino. 

“A primeira coisa que quisemos garantir foi alternativa. Sentimos que um cartaz deve tentar ir ao encontro daquilo que são os gostos dos estudantes”, aponta Gencer. “O hip-hop, o funk, o reggaeton, a música pimba e a música mais alternativa” foram os estilos musicais escolhidos pela associação. O também membro da comissão de eventos considera que, a nível nacional e nestes géneros musicais, existe uma ausência “brutal” de artistas femininas. “No hip-hop, por exemplo, temos a Capicua, que é talvez o nome mais sonante. Um ProfJam ou um Loner Jonny, que esgotaram na Receção ao Caloiro, estão muito mais nas trends do que a Capicua”.

O dirigente associativo acredita que a falta de representatividade feminina não é um problema exclusivo da cultura. “Acho que tem a ver com razões históricas e quanto a isso Portugal tem ainda muito por fazer”, refere. A investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho (CECS), Silvana Mota-Ribeiro, corrobora: “Porque é que não há mulheres nos museus? Porque elas não pintavam? Não. Porque foram invisibilizadas pela história”.

Neste sentido, Alexandre diz não acreditar que, ao longo dos últimos anos, alguém tenha tentado deliberadamente não ter mulheres no cartaz. “É fruto das circunstâncias. Podíamos contrariar essa tendência? Sim, é sempre possível, porque há, de facto, artistas femininas. Agora, acho que isso é algo que vai mudar com o tempo”. 

É verdade que não faltam artistas femininas. A questão é que elas já são invisibilizadas antes sequer de serem ou não escolhidas para o cartaz do Enterro da Gata.

Silvana Mota-Ribeiro, investigadora do CECS

Silvana Mota-Ribeiro fala em “naturalização pura da desigualdade”, classificando a desigualdade entre géneros como estrutural. “Não é só daqui ou só do Minho. E não é só da cultura estudantil”.

Para a docente, as artistas portuguesas não são tão “adequadas” àquilo que é o “espírito do Enterro da Gata”. Mota-Ribeiro defende que músicos como o Quim Barreiros são a representação daquilo que é uma cultura estudantil baseada no machismo. “Aqueles jogos de palavras referentes aos órgãos genitais femininos são extraordinariamente machistas”, defende. Em todo o caso, o Quim Barreiros é o artista que mais vezes encabeçou o Enterro da Gata (12), marcando presença em várias festas académicas do país.

Segundo Gencer, foram vários os alunos que se manifestaram relativamente à falta de mulheres no cartaz. “Não somos alheios à opinião pública e, naturalmente, houve pessoas que nos fizeram chegar, através de e-mails e outras vias formais, esta preocupação”, confessa.

Misoginia é a razão apontada por Magnólia Rosa Magenta, membro do Coletivo Estudantil Feminista da Universidade do Minho. “A misoginia deve ser combatida em todos os graus, seja oriunda de pessoas abertamente misóginas ou de perpetradores que nem sequer percebem o que estão fazendo”. 

O presidente adjunto-externo afirma que esta é uma preocupação que tanto a atual como as futuras direções da AAUMinho devem ter, salientando não existir “falta de vontade” mas sim condicionamentos de várias ordens. “O nosso orçamento é muito reduzido e isso é logo um dos primeiros obstáculos que encontramos”, admite o dirigente. Outros obstáculos que Alexandre aponta são a disponibilidade, a vontade e a agenda dos artistas que, por vezes, têm concertos marcados em locais próximos de Braga.