Do México à Austrália, jovens indígenas reinventam a internet para as suas línguas
De músicas a apresentações no TikTok, as novas gerações indígenas apropriam-se das redes
Este artigo foi originalmente publicado no Global Voices e traduzido para português por Camilla Gobatti. O texto teve edições menores de Rute Correia de aproximação ao português europeu.
Existem cerca de 7.000 idiomas no mundo, mas apenas 10 dominam a internet. O inglês lidera, com 25,9% do conteúdo online, seguido do chinês, espanhol, árabe, português, indonésio, francês, japonês, russo e alemão. Face a essa realidade, jovens indígenas, do México à Austrália, estão a criar espaço para os seus idiomas na rede.
De todas as línguas, 40% estão sob “perigo de desaparecer”, segundo a UNESCO, e as línguas indígenas correm um risco maior, uma vez que os idiomas hegemónicos permeiam a educação, os governos e os média globais.
Em julho deste ano, ativistas de línguas indígenas, do México e da Austrália, partilharam as suas estratégias durante um evento online coorganizado pela Global Voices e pelo First Languages Australia, com o apoio da Embaixada da Austrália no México.
Existem 68 línguas indígenas no México e 250 na Austrália, fazendo desses países locais com as maiores diversidades linguísticas no mundo, juntamente com Papua-Nova Guiné, Nigéria, Indonésia, Índia e Brasil, para citar alguns. “A Austrália e o México são países graças à colonização e à imposição de uma língua hegemónica”, disse a moderadora do evento, Isela Xospa, uma ilustradora indígena do povo naua. Para ela, esse cenário leva a uma visão e a um entendimento do mundo em apenas um idioma, o que é uma grande perda.
“É muito importante entender que a internet é dominada por línguas hegemónicas. É possível aceder à internet se se conhecer uma língua hegemónica, mas não no seu próprio idioma”, explica. Isela afirma que esse é um dos motivos pelos quais os jovens não se sentem identificados online e podem abandonar a sua língua.
Os palestrantes concordaram que os jovens falam nas suas línguas ancestrais com cada vez menos frequência, principalmente pela desconexão com a geração anterior. Pais e mães não conhecem ou não ensinam a sua língua aos filhos com frequência; a tarefa fica a cargo dos avós, caso estejam presentes. O zapoteca xhidza de Oaxaca, no México, Joaquín Yescas Martínez, explicou: “Muitos pais temiam as escolas; eles eram punidos [por falarem a língua nativa] quando eram mais jovens, nas escolas. Devido a esse medo, muitos colegas de aula da minha geração não falam na sua língua”.
Fazer com que as línguas indígenas sejam mais omnipresentes online pode ter um papel importante em atrair jovens para aprenderem, praticarem e perderem a vergonha de falarem nos seus idiomas. “Quando os jovens conseguem ver a sua língua utilizada nas plataformas de redes sociais mais populares, partilhada e de fácil acesso na internet, ficam motivados a seguir e a partilhar as suas língua e cultura”, diz Annalee Pope, uma mulher wakka wakka da área central de Queensland, na Austrália.
No entanto, a questão não é apenas sobre usar línguas indígenas nas plataformas online conhecidas, mas também imaginar novidades para que se apropriem da internet. Por exemplo, Rachel Dikul Baker, da etnia yolŋu do Território do Norte, na Austrália, defende novos domínios na internet que usem sua língua yolŋu matha e que reflitam a filosofia yolŋu de um sistema de parentesco — um conjunto de regras culturais no qual as crianças aprendem sua relação específica com cada outro yolŋu e com diversos elementos no mundo natural.
“O sistema de parentesco yolŋu é a relação com a terra, a relação com o que está dentro da terra, incluindo seres humanos e línguas”, explica. “Muitas das desconexões acontecem porque os domínios na internet não são yolŋulizados; então, a aprendizagem de línguas na internet não é desenvolvida no sistema yolŋu de parentesco”. Na sua organização, a ARDS Aboriginal Corporation, Rachel está a ajudar no desenvolvimento de uma “plataforma linguística warami que é baseada nesse parentesco”, conta.
Joaquín, por sua vez, sonha com software livre e redes sociais criados por e para pessoas indígenas, nas suas próprias línguas. Além do seu ativismo por software livre, Joaquín foi cofundador e trabalha em diversas iniciativas concebidas para propagar o uso das línguas xhidza. Ele vê as suas duas paixões fundirem-se para criar novos espaços na internet.
Joaquín gostaria de ver uma expansão da rede de ativistas digitais, que trabalham para melhorar a ligação de internet nas comunidades onde o acesso digital é baixo, além da divulgação de internets indígenas “de base comunitária” para a partilha de informações. “Nós podemos criar a nossa própria rede social dentro das comunidades [indígenas] e gerar mais vozes; nós podemos criar redes de internet com mais conteúdo no nosso idioma”, diz.
A palestrante maia María Lilia Hau Ucan, originalmente de Kinil, em Iucatã, no México, manifestou esperança em ver jovens de Iucatã expressarem-se criativamente nas suas línguas indígenas através de música, poesia e outras formas de narrativas: “Eles estão a apropriar-se da língua ao escreverem, o que é fantástico. Há também grupos de jovens que se envolvem em rádios comunitárias, em radiodifusão, publicações periódicas, redes de sociabilização… estão até a tentar transmitir a língua ensinando-a através da plataforma Tiktok”.
Na América Latina, por exemplo, existem contas do TikTok para aprender náuatle de El Salvador, a língua maia caqchiquel do México e Guatemala, quichua do Equador e waorani do Equador amazónico. Em geral, o “TikTok nativo“, onde jovens partilham a cultura indígena, humor e demandas pelos direitos indígenas e territoriais, teve um enorme crescimento na plataforma. Há também aplicações para aprender línguas indígenas no México e na Austrália.
A música é outra maneira pela qual a juventude indígena está a partilhar as suas línguas. O rapper Baker Boy versa na sua língua nativa, yolŋu matha, além de em inglês na canção “Meditjin”, com participação de JessB:
A cantora Sara Curruchich, da Guatemala, canta na sua língua nativa maia caqchiquel e em espanhol. Também é uma ativista de línguas e dos direitos humanos, divulgando línguas indígenas através da música. Em 2020, criou uma lista de reprodução no Spotify, na qual figuram mulheres de todas as partes do mundo, chamada Voces de Mujeres Indígenas IXOQI.
É um direito humano que os povos nativos falem nas suas línguas, que se expressem, socializem e não sintam vergonha ao fazer isso.
É possível assistir à gravação do evento online “Indígena+Digital: como jovens estão a revitalizar as suas línguas nativas na internet” em português.